26 de setembro de 2004

Biografias

Margarida de Windsor, de Luisa Paiva Boléo


Filha de rei e irmã de rainha, optaria por viver entre artistas e boémios. Com múltiplas e contrariadas paixões. Sem esquecer os deveres da corte. Com a elegância de uma princesa à moda antiga.

Margarida Rosa de Windsor foi uma princesa diferente. Elegante, moderna, viajada, gostava de música, bailado e cinema. Teve um refúgio amoroso numa ilha das Caraíbas e foi a princesa mais cobiçada pelos fotógrafos, nas décadas de 60 e 70, tal como o seria, mais tarde, Diana de Gales. Os seus amores passaram. Apenas o amor dos dois filhos, David e Sara, e depois a alegria dos netos, lhe deram a serenidade de partir deste mundo com a certeza de que a sua vida tinha valido a pena.
Margarida foi uma criança feliz que o pai, então apenas príncipe, acarinhou e protegeu. Brincou com bonecas com casinhas feitas por Hoopers, então responsável pelo design da Rolls Royce. A sua infância foi passada nos verdejantes campos da Escócia, onde nasceu, no castelo de Glamis, a 21 de Agosto de 1930. Aos seis anos, o pai, Jorge VI, subiu ao trono. E a sua vida modificou--se totalmente. A irmã mais velha passou a ser educada para rai-nha e Margarida teve uma adolescência refugiada nos livros, na música e na dança.
Aos 14 anos, passeando pelo palácio, reparou como era bonito e elegante um oficial da RAF, então funcionário da corte do seu pai, de nome Peter Townsend. Mais tarde, Margarida contaria a um dos seus biógrafos como ficara completamente fascinada por Peter logo da primeira vez que o vira. Mas a menina ainda não sabia bem definir os seus sentimentos.
Aos 21 anos, com um vestido Dior, Margarida foi imortalizada por Cecil Beaton. Depois da sessão fotográfica, Beaton comentou que os deslumbrantes "olhos de gata" da princesa eram, ao mesmo tempo, felinos e doces.
Em 1944, a Segunda Guerra Mundial ainda decorria. As conversas entre Peter e Margarida seriam informais e de circunstância, até porque ele era um homem casado e pai de dois filhos. Em 1947, os monarcas, Jorge VI e Elizabeth (a Rainha-mãe), acompanhados das filhas, visitaram a África do Sul. E Peter Townsend ia na comitiva. Será que foi ali que despertou o amor proibido entre os dois?
Em 1952, depois da morte do pai e da subida ao trono da irmã, Isabel II, Margarida, deprimida e sozinha, terá pensado como poderia ser feliz com aquele homem, que ela sabia que também a amava.
Na coroação da rainha Isabel II, em 1953, lá estavam Peter e Margarida, bem perto um do outro. No final da cerimónia, houve um momento em que Margarida, imperceptivelmente, retirou da lapela do fato de Peter uma pequena poeira. Os fotógrafos estavam lá... viram, registaram e imediatamente perceberam que aquele pequeno gesto fazia adivinhar algo de mais íntimo entre os dois. Como esse gesto nos parece hoje incrivelmente ingénuo, comparado com as fotografias comprometedoras das noras da rainha Isabel II, nos anos 90!
A notícia saltou para as primeiras páginas dos jornais. Ficou a saber-se que, aos 23 anos, a irmã da rainha amava Peter Townsend, muito mais velho e já divorciado. A rainha e a mãe ficaram alarmadas e tiveram de tomar uma atitude rápida. Segundo uma lei antiga, os irmãos do monarca, até aos 25 anos, deviam pedir autorização a Sua Majestade para poderem contrair matrimónio. Era o caso de Margarida. Tornou-se imperioso afastá-la de Peter. Assim, Margarida foi viajar com a mãe para a Rodésia (Zimbabwe), enquanto o Governo enviava rapidamente Peter Townsend para Bruxelas, numa missão na embaixada da Grã-Bretanha naquele país.
Peter Townsend, mesmo divorciado, era um impedimento ao casamento, porque para a Igreja Anglicana e para a família real britânica, nos anos 50, uma princesa não podia, de forma alguma, casar com um divorciado. E ainda estava na lembrança de todos a
abdicação do irmão do rei, em 1936: Eduardo VIII, entre o trono e uma americana divorciada, Wallis Simpson, optara pela segunda.
Se Margarida teimasse em casar, faria um casamento civil e deixaria não só de ser Alteza Real, como não teria mais mordomias, nem castelos para viver nem as regalias de uma princesa de nascimento. A pressão da família, do Governo e da Igreja Anglicana era grande. E não era fácil, aos 25 anos, deixar de viver uma vida de luxo para ser apenas a senhora Townsend. Margarida engoliu as lágrimas e, em Outubro de 1955, disse adeus ao seu primeiro amor. Este foi apenas o fim do primeiro capítulo da sua agitada vida amorosa.
Não tinha sido apenas Peter a reparar como Margarida se transformara numa mulher sensual, alegre e muito elegante. Foi precisamente depois desta enorme desilusão amorosa que Margarida começou a sentir-se mais desejada e requestada. Do seu ciclo de amigos, que ficou conhecido por Margaret Set, constavam o milionário escocês conde de Dalkeith, o marquês de Blandford, o duque de Marlborough, Lord Porchester e tantos outros, como Colin Tennant, seu amigo durante toda a vida, que lhe falaria da beleza das Caraíbas, onde Margarida teria mais tarde o seu refúgio, na ilha de Mustique, com o nome Les Jolies Eaux.
Apontava-se então como seu possível noivo o rico Billy Wallace, que foi passar férias às Bahamas, com amigos, gozando os seus "últimos dias de liberdade". Mas, no regresso, teve a surpresa de a princesa Margarida dar o caso por encerrado. Os presumíveis "noivos" de Margarida surgiam, nos jornais da noite para o dia, como cogumelos. Os monarcas e pais da volúvel princesa sempre esperaram que a filha casasse cedo com um aristocrata inglês, mas Margarida não parecia muito interessada em casar, preferindo o convívio de artistas do mundo da música e do cinema.
Das muitas viagens que fez, Margarida visitou Portugal, em 1959, para estar presente na Feira das Indústrias Britânicas. Nesse ano, era já conhecido o seu novo namorado. O casamento, no ano seguinte, teve grande cobertura no nosso país, na revista Flama, que lhe chamou "o idílio do ano". O Século Ilustrado foi mais longe e considerou o enlace como "o casamento do século". Mal sabiam eles que o mais mediático casamento seria nos anos 80.
Um dia, a dama de companhia da princesa Margarida, Elizabeth Cavendish, apresentou-lhe o fotógrafo de moda Antony Armstrong-Jones, também de pequena estatura, como Margarida, e muito divertido. As noitadas e parties sucederam--se. Antony era já um fotógrafo famoso, conhecia o mundo da moda e do cinema e tinha uma vida de boémio que fascinou Margarida. Sabe-se que a primeira reacção da rainha e do seu marido, o duque de Edimburgo, foi negativa. Um fotógrafo na família real britânica?
Porém, desta vez, Margarida não tencionava abdicar dos seus amores. Estava a completar 30 anos e não parecia ter qualquer predilecção pelos príncipes europeus disponíveis de então. Restavam, é certo, muitos aristocratas da velha Albion, que também não a impressionavam. Quando o seu antigo namorado, Peter, lhe telefonou da Bélgica a dizer que ia casar com uma belga, Margarida apressou a irmã a anunciar o seu casamento com o fotógrafo Armstrong-Jones. Três meses depois, em Maio de 1960, numa cerimónia na Abadia de Westminster, a princesa foi conduzida ao altar pelo cunhado, que também foi seu padrinho. Sabe-se que Filipe de Edimburgo não simpatizou particularmente com o noivo de Margarida, mas acabou por aceitá-lo. A rainha só queria a felicidade da irmã e concedeu a Antony Armstrong-Jones o título de Conde de Snowdon. A lua-de-mel foram seis semanas no iate real Britannia. Estiveram na Índia e nas Caraíbas, entre outros lugares de sonho.
Uma nota discordante neste casamento: as casas reais europeias primaram pela ausência. Uma princesa, filha de rei e irmã de rainha, casar com um fotógrafo! Curioso é ainda hoje Lord Snowdon, também visconde de Linley, título concedido pela rai-nha na véspera do nascimento do primeiro filho, ser aos 72 anos um fotógrafo famoso e continuar a receber convites da família real para quase todos os eventos da monarquia. Não apenas por ser pai dos sobrinhos da rainha e os seus filhos serem netos da Rainha-mãe, mas também porque, embora lhe tenham ao longo dos anos oferecido somas irrecusáveis para contar a sua vida privada com a princesa Margarida, jamais a sua boca se ter aberto. Uma das pessoas que tentou entrevistá-lo e que também recebeu uma resposta negativa foi Jacqueline Kennedy Onassis. Depois de enviuvar pela segunda vez, passou a colaborar numa revista americana de grande tiragem e fez tudo para entrevistar o ex-marido de Margarida, que recusou.
Nos primeiros anos, tudo correu bem no casamento de Margarida e Antony. Mas, irreverente e volúvel, Margarida Rosa de Windsor, misto de star e lady, não aguentou muitos anos ao lado de Antony.
Nas décadas de 60 e 70, Margarida foi a mais fotografada princesa do universo. Ela foi, juntamente com os Beatles, James Bond (Sean Connery), o Mini (um automóvel), a pílula contraceptiva, a mini-saia, os vestidos Dior, a lambreta e Julie Christie, um dos ícones desses anos "loucos" para uma juventude irreverente e com muita liberdade.
Margarida gozava a vida. Não perdia um espectáculo de bailado. Era amiga pessoal dos bailarinos Margot Fonteyn (1919- 1991) e Rudolfo Nureyev (1938-1993), que foram durante anos o par romântico do ballet britânico e talvez mundial. Snowdon fez fotos maravilhosas destes bailarinos, bem como da família real, que demonstram o seu enorme talento.
Margarida não se podia furtar às suas obrigações como princesa, representando a rainha em várias viagens. Nos EUA, não houve celebridade do cinema que não se deixasse fotografar com a princesa do glamour - nomes como Elizabeth Taylor, Frank Sinatra e Louis Armstrong, que lhe dedicou uma música. Os viscondes de Linley estiveram várias vezes em Itália e na Grécia, onde o armador Niarkos os convidava para a sua ilha privativa. Enfim, Margarida e Antony foram as vedetas do momento.
E como tudo tem um princípio e um fim, Margarida e o marido, após seis anos de casamento e dois filhos, começaram a mostrar algum desentendimento. Para isso terá contribuído a paixão arrebatadora da princesa pelo pianista Robin Douglas-
-Home, que conheceu num clube nocturno, em 1966. Terá sido uma verdadeira paixão. Mas Margarida, talvez pressionada, pôs um ponto final no romance. Afinal, era uma senhora casada com filhos. Para Robin, foi mais dramático, porque não terá aceite bem a separação. E ano e meio depois, suicidou-se.
Informada a rainha de que a irmã e o cunhado faziam vidas separadas, surgiu no horizonte o tão temido divórcio. O casal continuou a viver na sua residência oficial, Kensington Palace, para manter as aparências, enquanto os filhos foram pequenos. Separaram--se em 1976 e, dois anos depois, foi decretado o divórcio. O primeiro divórcio na família real, desde o de Henrique VIII, em 1529, dispensando o literal rolar de cabeças. E em 1973, ano do casamento da princesa Ana, filha da rainha, falou-se muito do novo amor de Margarida, Roddy Lleweellyn, um jovem arquitecto paisagista com menos 17 anos que ela. Margarida deitou as conveniências para trás das costas e voou para o seu "ninho de amor" na ilha de Mustique, nas Caraíbas, que viria a tornar-se local de festas do jet-set de então. Por lá passaram David Bowie, Raquel Welch, Bryan Ferry, Mick e Bianca Jagger, Elton John, Tommy Hilfiger e muitos outros amigos da princesa irreverente, que exigia que ninguém se fosse deitar antes dela, prolongando as festas até de manhã.
Estas fugas deram origem a pala-vras duras na imprensa. Houve mesmo um jornal que tratou Margarida como "uma princesa decadente e inútil". Também o Governo e o primeiro-ministro chegaram a pressionar a rainha para riscar o nome da irmã da Civil List, onde constam os nomes dos membros da família real, parentes muito próximos e súbditos que prestaram relevantes serviços à monarquia, com residência e despesas pagas pela rainha.
Margarida separou-se de Roddy quando este casou com uma desenhadora de moda. Apesar da separação, permaneceram amigos até à morte da princesa, no passado dia 9 de Fevereiro.
Para Margarida Rosa de Windsor, o seu maior orgulho foram os filhos, David e Sara, ambos com profissões ligadas às artes. São casados e têm filhos. Margarida teria o quarto neto nesta Primavera. Foram os filhos que estiveram junto da mãe nos seus derradeiros minutos.
Com o desaparecimento de Diana de Gales e a morte recente de Margarida, a coroa britânica parece ir perdendo, pouco a pouco, as suas pedras mais cintilantes...

Os ídolos que não escaparam à admiração da Princesa



2 comentários:

Unknown disse...

Muito bem escrito.
Adorei.

Anónimo disse...

Margareth fez a diferença . VIVEU !!