18 de novembro de 2007

Crónica de Daniel Sampaio

Bons professores

Na semana passada foi tema o bom professor: estiveram em causa a atribuição do Prémio Nacional de Professores e dos Prémios de Mérito, que distinguiram quatro docentes do ensino público. Vale a pena pensarmos um pouco sobre o que permite distinguir quem ensina bem nos dias de hoje.
É nítido o mal-estar de muitos professores. Ignorar essa realidade é contribuir para que nada mude nas nossas escolas, porque não haverá mudança significativa sem o empenhamento daqueles que a poderão levar à prática. Convém, no entanto, compreender que o problema não é exclusivo do nosso país, pois está relacionado com o significado e funções das escolas na actualidade.
As mudanças sociais tendem a atribuir à escola um novo conjunto de funções, nem sempre bem definidas: além de instruir, os professores são chamados a apoiar, socializar ou encaminhar para outros contextos alunos com histórias de vida, expectativas e capacidades muito diferentes. Quando a escola é obrigatória e pretende integrar no seu seio todos os jovens, vê-se confrontada com todos os problemas familiares e sociais que os alunos levam consigo. Curiosamente, a formação dos docentes sofreu poucas alterações: continua a ter como ponto de partida uma formação universitária que ignora por completo as características psico-sociais da população objecto do ensino, ou "actualiza-se" através de acções formativas coordenadas por técnicos exteriores à escola, com conteúdos teóricos desligados da realidade.
Os próprios professores perderam o papel cultural de que outrora eram exemplo. Ao não produzirem o conhecimento que são chamados a reproduzir (organizado no Ministério, às vezes por colegas que abandonaram a escola) e ao confrontarem-se com novas fontes de informação alternativas à escola (televisão, Internet, culturas juvenis), depressa precisam compreender que o lugar de mestre incontestado do passado já não tem possibilidade de se manter: torna-se imperioso modificar o seu papel tradicional e abrir caminho a uma nova maneira de estar, muito mais coordenador de pesquisa e gestor de grupo de trabalho do que transmissor expositivo de manual para aluno médio.
Se os alunos são diferentes, as escolas também o são. Por vezes afirma-se que caminhamos para a sua autonomia, mas o percurso é lento e cheio de contradições. Há um abismo entre a teoria e a prática: se o desejo é autonomizar, por que razão se legisla tanto a nível central? Os professores de hoje perdem-se entre circulares, despachos normativos, portarias e decretos, num tempo precioso para outras actividades. A dependência do poder central continua a ser grande, enquanto é bem pequena a margem de manobra para inovar e adaptar o currículo à população estudantil que se pretende servir. A questão decisiva é esta: continua a ser diminuta a capacidade para o professor se movimentar, porque na realidade ele só se desloca num contexto cujas condições pouco pode mudar; e as alterações permanentes desse complexo contexto exigiriam, pelo contrário, uma flexibilidade notável.
Além do que já foi dito, mudou profundamente o relacionamento professor/aluno. Com a aproximação das gerações em todas as famílias e com a entrada obrigatória na escola de muitos jovens para quem essa obrigatoriedade faz pouco sentido, a hierarquia tradicional perturbou-se: o que diz o professor já não é aceite como lei e pode ser contestado, às vezes com agressividade. O problema da violência nos estabelecimentos de ensino portugueses não tem grande dimensão, mas do ponto de vista psicológico é inquietante: saber que um aluno pode agredir o professor (mesmo que isso não seja frequente) é a introdução permanente da insegurança na relação, no lugar onde deveria existir confiança e respeito mútuo.
Os momentos difíceis que vivemos nas escolas não nos podem fazer desistir. Mesmo alguns resultados positivos no combate ao insucesso do secundário, por exemplo, precisam de ser confirmados e avaliados em circunstâncias comparáveis, pois logo aparecem as desilusões do básico ou a incapacidade visível de tantos alunos para compreender o mundo.
Os professores premiados, contudo, enchem-nos de esperança: mostram que é possível trabalhar com entusiasmo, estimular a descoberta em conjunto e ser um exemplo para os mais novos.

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