9 de março de 2008

E AGORA? Daniel Sampaio

da Pública
O dia seguinte: escrevo no Domingo dia 9, os professores regressaram a casa e amanhã é dia de aulas. Pergunto: e agora?
Quando esta crónica for publicada tudo pode estar diferente, porque a dinâmica do protesto torna imprevisíveis as suas consequências.
Um dos aspectos salientes desta crise é como o problema se focou numa pessoa, a Ministra da Educação. Mais do que discutir o futuro, os professores desejam a sua queda. Por uma razão: desde o primeiro dia sabem que Maria de Lurdes Rodrigues centrou a sua acção na mudança do quotidiano dos docentes. O seu primeiro erro foi procurar demonstrar que os professores trabalhavam pouco, publicando as suas faltas: aí, começou a perder uma eventual base de apoio para a mudança e a sua queda começou a ser anunciada. Depois, as famosas aulas de substituição (de que sou um defensor) foram postas em prática de modo pouco claro, porque foi acentuada a necessidade do preenchimento das horas lectivas, em vez de ter sido enfatizada a sua importância para os alunos. Seguiu-se muita legislação, dificultando a nível central a prometida autonomia das escolas, com destaque para o concurso para professor titular, o estatuto do aluno (já por mim analisado) e a avaliação.
A grande contestação iniciou-se com a progressão na carreira, processo que deixou marcas e muitas dúvidas: como pode alguém aceitar que sejam apenas considerados os últimos sete anos, em pessoas com um longo e difícil desempenho profissional? E continuou com a avaliação: quem pode avaliar, se o sistema não se avalia a si próprio? O método proposto contribuirá para o aumento da conflitualidade interpessoal nas escolas (docentes a dar notas a colegas do lado) e não será susceptível de comparação, porque se baseia em critérios de muita subjectividade.
Mais valia esta equipa ministerial ter começado por três áreas fundamentais: 1) melhorar a autonomia das escolas, unindo-as à volta de programas concretos de intervenção, com resultados mensuráveis; 2) modificar a formação de professores, de modo a que se tornassem mais capazes para lidar com alunos problemáticos, através do treino em pedagogias diferenciadas e da articulação com apoios a vários níveis; 3) dotar o sistema de instrumentos de avaliação, como exames pelo menos no 6º e 9º anos, de modo a percebermos por onde vamos bem e onde fracassamos (sem aferições comparáveis não se pode dizer que estamos melhor, porque tentamos "comparar" coisas diferentes). Do modo como procedeu, o Ministério da Educação (ME) não centrou a sua acção na melhoria dos alunos, antes mostrou a sua obsessão no controlo de quem ensina: os resultados estão à vista.
O impasse a que se chegou merece medidas concretas. Compreende-se que a equipa do ME se mantenha, porque o PR, o governo e o representante (?) dos pais a apoia; percebe-se que a contestação não vai parar, porque a crítica foi personalizada e o descontentamento é grande. Que fazer? Como em qualquer conflito grave, é necessária uma mediação, como já foi sugerido. O Conselho Nacional da Educação (CNE), que tem por função propor "medidas destinadas a garantir a adequação permanente do sistema educativo aos interesses dos cidadãos" tem de intervir: os seus 68 conselheiros não podem permanecer num silêncio que se estranha e, como "estrutura de representação ampla", têm de "propor consensos alargados relativamente à política educativa". Um parecer do CNE sobre a avaliação dos professores e uma mediação professores-ME a cargo do seu Presidente (Prof. Júlio Pedrosa) parecem-me essenciais para sair da crise. Se tudo continuar como até aqui, todos dirão que não recuam, mas não haverá reformas na educação, o clima escolar sofrerá progressiva deterioração e os alunos (a quem ninguém pede opinião...) serão os mais prejudicados.
Uma mediação bem conduzida mostrará alguns aspectos positivos desta equipa do ME: os cursos profissionais, o Plano Nacional de Leitura, o inglês no primeiro ciclo, a permanência por três anos dos professores nas escolas; e evidenciará a necessidade de outras formas de escuta e participação dos docentes no futuro da educação, afinal aquilo que falhou de forma tão clara.
(Nota: tenho recebido abundante correspondência de professores. Muitos apreciam o que tenho escrito, outros criticam a minha suposta "inversão de marcha", a propósito de críticas recentes à actual equipa do ME. Agradeço a todos e lembro aos últimos: digo sempre o que penso e não pretendo ser consensual, por isso apoio ou critico quando entendo, em liberdade. Sempre assim foi e continuará a ser.)

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