8 de dezembro de 2004

Dias da Mãe

Um filho não cabe num domingo de Maio! Uma mãe não cabe num domingo de Maio!
É uma intimidade universal e infinita! Não há tempos nem espaços que possam, de algum modo, confinar uma celebração, que é permanente e eterna, ao primeiro domingo de Maio.
Na celebração do calendário, existe ainda a ideia subjacente de que esta relação é de alegria, de ambos os lados, e de reconhecimento, de um. Ficam relegados, para outros planos, outras mães e outros filhos. E convenientemente esquecidos, outros sentimentos e outros estados de espírito, como a dor, o sofrimento, a aflição.
E foi a propósito de mães e de filhos que me lembrei, entre outros, do Suave Milagre. Uma mãe e um filho. Ambos tocados pela doença e pela pobreza. Viviam “num casebre desgarrado, sumido na prega de um cerro.” Ela, viúva, era “a mais desgraçada mulher de todas as mulheres de Israel.” O filho de sete anos vivia com ela, na mais terrível miséria.
Não fora a história de Cristo e os seus milagres, que antecede a apresentação da viúva e de seu filho; não fora o indício de esperança nesse milagre e certamente qualquer leitor, suficientemente castigado pelas notícias de guerra nas mesmas paragens, fecharia o livro e perderia a coragem de se condoer com mais uma história pungente. Não fora o seu autor Eça de Queirós e, provavelmente, a leitura ficaria pela metade...
Este conto ilustra a resistência, a conformação, a resignação, virtudes tão pregadas pelas várias doutrinas e tão difíceis de pôr em prática. Ilustra ainda a virtude maior: a esperança, que nasce nem se sabe muitas vezes porquê e alimenta os tristes até ao fim. E salva-os! Esta “mãe amargurada” ouve falar do doce Rabi e escuta “com olhos famintos”. A pobre criança também! E pede à mãe que o leve a ver Jesus. A mãe desesperada diz-lhe que não o pode deixar, para ir à procura do Rabi da Galileia. “Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora connosco, dentro destas paredes, e dentro delas nos prende.” O filho insiste, com uma esperança ainda maior, mais firme. “Jesus ama todos os pequeninos” diz. A mãe soluça, a porta abre-se e Jesus entra naquele casebre esquecido.
Não é preciso ser cristão nem católico, para encontrar neste texto o sentido da esperança. Não é preciso ser muito impressionável, para se sentir o alívio daquela dor extrema, para o sentir como justo merecimento, para o tomar por milagre...
Entre outras personagens de Eça de Queirós, vamos encontrar outras mães. Maria Monforte deixa um filho bebé entregue a um pai fraco e abatido pelo desgosto da separação e do abandono da mulher.
Estudiosos de Eça de Queirós explicam estas personagens à luz da vida do autor, ele próprio alvo de rejeição. Os pais apenas se casaram depois do seu nascimento e a sua presença era incómoda para as moralidades burguesas da época.
Mas há mais mães, nas páginas e na vida de Eça de Queirós.
O conto A Aia celebra a mãe biológica, como hoje se diz, em termos de ciência, mas celebra também a mãe de leite, a ama. Quando a tecnologia ainda não produzia os leites artificiais, havia mães de leite. Produziam-no em quantidade suficiente para dar de mamar ao seu filho e a outro bebé que precisasse.
Todos sabemos que o acto de amamentar acrescenta muito afecto à ligação mãe e filho, o que é, nos dias de hoje, felizmente, aconselhado pelos médicos. E quando não vinga o conselho médico, vinga a moda! Se a causa é boa...
A aia amamenta o príncipe, ao mesmo tempo que amamenta o seu filho, um escravozinho moreno que dorme num berço pobre, de verga, ao lado do berço real, rico e de marfim. “A leal escrava, porém, a ambos cercava de carinho igual, porque, se um era o seu filho, o outro seria o seu rei.” E, em apenas algumas linhas, o autor explica a dedicação e o afecto que, tal como o leite do seu seio, dividia pelas duas crianças. Para as duas tinha sonhos. Se para um eram de realeza, para o outro eram de liberdade. E era pelo bebé real que mais temia. Como mãe de sangue, pressentia os perigos.
Depois de mãos inimigas terem assassinado o rei, assaltaram o palácio para roubarem o pequenino príncipe. Entre dois deveres, a dedicada mãe e fiel serva teve que escolher. A rainha, pálida de aflição, entrou nos aposentos dos bebés. Mas o príncipe dormia tranquilamente no berço pobre. Após esse lampejo de alegria por ver o filhinho salvo, “abraçou apaixonadamente a mãe dolorosa”, beijou-a, e chamou-lhe “irmã do seu coração”.
Todo o reino vibrava com a notícia da morte do “irmão bastardo do rei, homem depravado e vadio” e com a salvação do pequeno príncipe. A rainha, contudo, sabia que a vida do seu filho tinha custado outra vida, igualmente tenra e cheia de promessas. Numa tentativa de recompensar a aia, conduzia-a à Câmara dos Tesoiros, para que escolhesse o que quisesse, assinalando assim a sua gratidão.
A aia escolheu um punhal, cravou-o no peito, dizendo: “Salvei o meu príncipe, e agora... vou dar de mamar ao meu filho.”
Há trezentos e sessenta e cinco dias, quando ano é comum e mais um, quando o ano é bissexto, para celebrar estas mães e todas as outras, na mais perfeita e discreta intimidade.

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