23 de dezembro de 2004

Um sonho no sapatinho

O Francisco é um menino como todos os meninos que há na nossa rua, no nosso bairro ou na nossa escola. Mas o Francisco não mora no nosso bairro nem na nossa rua.
Mora numa vila onde a vida de todos se vive para lá e para cá de os muros de uma prisão. Perto, passa uma estrada importante e dessa estrada vêem-se uns grandes edifícios brancos. As pessoas interrogam-se: Será um hospital? Será um asilo? Ninguém se pergunta se ali há flores, crianças, pássaros ou animais, ferozes ou não.
Certamente, quem ali vive não pode estar em contacto com os outros, por perigo de contágio ou por não ser desejado, tendo sido deixado, abandonado...
Porém, o Francisco não é um menino infeliz. Cresceu naquela vila e desde sempre se habituou à paisagem cinzenta e verde, húmida e linda, no Inverno, ou amarela e quente, no Verão.
Com nove anos, o Francisco vai para a escola de mochila às costas e cruza-se com homens sombriamente cobertos de casacos pardos e escuros, de olhos também sombrios, pardos e escuros. Talvez da cor da solidão! Esses homens vão trabalhar para o campo, acompanhados de guardas prisionais.
O pai do Francisco é guarda prisional. Por isso, aquela farda, bem como a arma nunca lhe causaram espécie alguma de terror. Ele conhece bem o homem que se esconde debaixo daquela roupa, tão triste como a dos homens que costuma acompanhar: um homem bom. Um homem bom que diz muitas vezes à mulher, até a propósito de nada:
- O nosso Francisco há-de ter um mundo melhor!
Ele tem a ternura dos pastores, mas sabe que é olhado como um pastor de lobos, que defende as ovelhas que passam; não como um pastor de ovelhas, que as guarda dos lobos que aparecem. Ele conhece os homens que acompanha e sabe o quanto há de ovelha naquelas almas. Por outro lado, teme muitos dos que passam, pois neles pressente algo de lobo disfarçado, escondido.
O Francisco nunca provou um pão de cada dia mais doce, mais fofo, mais quente, mais agradável... No entanto, no fundo da sua consciência, como acontece com todo nós, há uma espécie de sabedoria de uma realidade melhor e mais feliz. Todos sabemos o que é a felicidade, embora possamos nunca a ter provado. Chama-se a isto consciência colectiva e diz-se que a razão reside no facto de todo o homem ter experimentado esta felicidade, pelo menos, no ventre seguro da sua mãe. Às vezes, esta experiência, ou a recordação dela, aparece-nos em sonhos, ou revela-se simplesmente na tendência em acreditar num mundo melhor, como acontece com o pai do Francisco.
E foi possivelmente por isso mesmo que ele, o Francisco, um dia, ou melhor, uma noite, teve um sonho muito lindo...
As pequenas janelas gradeadas das casas altas e frias rasgavam-se em largas janelas envidraçadas, muito transparentes e limpas. Não tinham cortinas: apenas um folho colorido, para enfeitar.
Uma trepadeira muito verde crescia a uma velocidade espantosa, agarrada às paredes brancas, que assim passavam a ser verdes, da cor dos montes ao longe. De minuto a minuto, nascia uma flor diferente. Os enormes muros que rodeavam a prisão derretiam, como derrete a gelatina, tomando depois a forma de bancos de jardim. E havia mesmo um jardim, onde brincavam meninos e meninas, crianças como ele, o Francisco da nossa história.
Os homens, os muitos homens que por ali andavam, já não se cobriam com casacos pardos e escuros! Usavam camisas coloridas, algumas com quadrados, quadrados grandes, também coloridos e bonitos, que em nada faziam lembrar as grades da prisão! Ao pé de cada homem, havia uma mulher como a mãe do Francisco, serena e feliz.
E o pai? Esse organizava a festa da vila, a grande festa da vila, o que sempre secretamente ambicionara. Os outros guardas ajudavam-no, entusiasmados e contentes.
Era realmente tempo de festa!
Era tempo de Natal! Era tempo de paz, de arrependimento e de perdão.
Era tempo de liberdade!
De manhã, o Francisco percebeu que nada tinha acontecido, nada havia mudado: a paisagem era muito fria e não havia cores para lá da janelinha do seu quarto.
Já bem acordado, foi até à sala. Lá estava o presépio que de ano para ano se tornava mais especial e mais bonito, graças à imaginação do Francisco e ao engenho do pai.
Parecia tudo muito perfeito, tal como o sonho. Até o sapatinho do Francisco, que já guardava vez, muito engraxado e brilhante.
Tão brilhante como a ideia do Francisco:
- Vou pôr o meu sonho no sapatinho!
(Publicado no manual "Lições de Português" do 6º ano, das autoras Ana Sousa, Ana Ribeiro dos Santos e Maria de Lurdes Pinto da Fonseca, Texto)

1 comentário:

Thita disse...

____________________Paz
___________________União
__________________Alegrias
_________________Esperanças
________________Amor_Sucesso
_______________Realizações_Luz
______________Respeito_Harmonia
_____________Saúde__Solidariedade
____________Felicidade___Humildade
___________Confraternização__Pureza
__________Amizade__Sabedoria___Perdão
_________Igualdade_Liberdade_____Sorte
________Sinceridade_Estima__Fraternidade
_______Equilíbrio__Dignidade__Benevolência
______Fé_Bondade__Paciência__Brandura__Força
_____Tenacidade___Prosperidade__Reconhecimento
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E esta árvore pode ser o mundo melhor dos sonhos de todos os meninos como o Francisco.

Feliz Natal, D. Madalena. Tudo de bom para si e para toda a família.
Com muitos beijinhos.