29 de abril de 2005

Olhai os Lírios do Campo!

Devia-lhe tudo: a vida, (...) e um milhão de coisas pequenas.
In Olhai os Lírios do Campo, de Erico Veríssimo

Há um dia na nossa vida em que alteamos o salto do sapato, mudamos o penteado, usamos a nossa própria chave de casa... por aí adiante. Isto é: há mesmo um dia, em que deixamos de ser crianças. Aparentemente, de um momento para o outro, como se isso não fosse um processo, por vezes tão demorado, que nos pode tomar conta da vida inteira!
E houve esse dia em que achei que as leituras de criança deviam ser postas de lado e devia começar a ler livros de pessoas crescidas.( Como eu estava enganada! Continuo a ler livros de crianças. E gosto.) Então, aos treze anos, escolhi o livro que devia marcar a minha maioridade “literária”: Olhai os lírios do campo, de Erico Veríssimo.
Quando, alguns anos mais tarde o reli, percebi que os meus treze da altura eram claramente insuficientes, para perceber a complexidade dos livros e das vidas dos crescidos.
Para além dessas vidas complicadas dos adultos, há ainda o processo narrativo, em que os tempos se misturam e se soltam recordações, aparentemente avulsas.
Ao longo de doze capítulos, o Doutor Eugénio percorre um longo caminho entre a sua casa e o hospital, onde Olívia o espera para o ver e depois morrer.
Mergulha em recordações. Sempre as mesmas recordações: a humilhação dos colegas por ter a “calça furada”, a vergonha de confessar que o pai é pobre, os anos da Faculdade, em que conheceu Olívia, estudante de Medicina como ele.
A casa do seus pais e a pobreza, a tristeza, a doença do irmão Ângelo, a vergonha das desordens provocadas por Ernesto. A coragem da mãe, a quem devia tudo, “a vida”, “as meias remendadas”, o “milhão de coisas pequenas” e que não se vergava às catástrofes. Ganhava e reganhava força, repetindo “Deus é grande!”
Mas mais do que essas recordações da infância pobre, atormenta-o a consciência do preço que pagou pela fama, pela fortuna e pelo sucesso do homem presente. Pagou-os com sentimentos, esgotando-os até à penúria. É esse mesmo Eugénio, que emerge dessas recordações, aqui e ali, enfraquecido pelo medo e pela mentira. Olívia quer vê-lo, antes de morrer. Ela está a morrer e sabe-o. E Eugénio tem medo que a mulher, Eunice, descubra a verdade, tanto quanto teme que Olívia morra.
Recorda-a, no dia da entrega dos diplomas. Era a única mulher daquela turma de Medicina e trabalhava num laboratório de análise clínicas, para pagar o curso. Era calma e tranquila. Admirava a sua simplicidade, o que fazia com que se sentisse bem ao pé dela. Não era uma mulher como as outras. Nas outras, via a sofisticação feminina que lhe davam luta de macho, mas não lhe ofereciam a amizade e tranquilidade que Olívia lhe estendia. Tudo parecia uni-los: eram os dois “obscuros e pobres”, ao contrário dos outros estudantes daquela Faculdade.
Nesse dia, ou nessa noite, Eugénio confessou a Olívia o horrível peso da sua condição de pobre, a falta de vocação para a medicina. O curso, queria-o para ser rico e pertencer à esfera brilhante da sociedade.
Olívia tentou oferecer-lhe o sentimento da dignidade que a profissão impõe. Ajudou-o a ultrapassar o fracasso, quando o doente, que o médico mais velho lhe deu para operar, lhe morreu nas mãos. Ensinou-o também a conviver com o sucesso, quando o ajudou a salvar um menino, que morria com difteria.
É, porém, Olívia que um dia o deixa à mercê dos medos e das vergonhas, à mercê de Eunice Torres, menina rica e mimada que caprichosamente vai desejar Eugénio , para ostentar um pobre diabo, como quem exibe uma extravagância rara. Filha de um poderoso industrial, este é o passaporte de Eugénio para o mundo desejado, o dos ricos e poderosos.
Quando Eugénio chega ao Hospital, Olívia já morreu.
Da amálgama de sentimentos e de memórias se faz a determinação de começar uma vida nova, tomando à letra as palavras de Olívia, que dizia que a vida pode começar todos os dias.
A vida vai começar, ou recomeçar, ao lado da filha Ana Maria, legado de Olívia. A personagem reconstrói-se e Eugénio evolui para um homem reconciliado com a condição humana, mesmo a mais pobre.
A história de Eugénio é uma lição de vida e vale a leitura. Obriga-nos a uma reflexão sobre valores, que parecem arredar-se dos comportamentos de hoje, mesmo contra a nossa vontade. E vale também pelo “nosso português” em que Erico Veríssimo se expressava, enriquecido com registos da oralidade do português do Brasil. “Um, dois, feijão com arrois”

Leitura sugerida- Olhai os Lírios do Campo , de Erico Veríssimo
Erico Lopes Veríssimo nasceu a 17 de Dezembro de 1905, em Cruz Alta e faleceu a 28 de Novembro de 1975, Porto Alegre. É considerado pelos críticos “uma das grandes expressões da moderna ficção brasileira”.
Para além da obra, deixou o testemunho de divulgação da cultura Brasileira e da Literatura, através da conferência e mesmo do exercício da função docente, nos Estados Unidos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bonjour Madalena, mon nom est Adrienne. que j'aime votre blog, je voudrais voir encore plus. J'ai un lien à ma photo préférée là. Au revoir