Embora mantenha na memória o gosto que senti ao longo de todas as histórias, de Mia Couto, em Cronicando, há uma especial: a do filho que dá à luz a mãe.
Chama-se o Filho da Morte e é uma história de morte e de vida, num campo de refugiados, “que se doseavam, na aplicação da tristeza.” Talvez por isso, por terem que dosear a tristeza, não fosse ela consumida em doses mortais, não se ocupavam muito dos mortos, nem mesmo neste caso, tratando-se de uma grávida. “Estavam demasiado ocupados em sobrevivências.” Mas a pele luzidia e volumosa teimava em atrair uma atenção qualquer e a morta entrou em trabalho de parto, porque naquele dia, naquele corpo, a vida “fez horas extraordinárias”. Ninguém se mexeu! Ninguém excepto a “cabistonta” Tazarina, que sofria de tremuras tais que nem a si própria parecia conseguir amparar-se. Mas foi ela que pegou e deu colo àquele ser que vinha do outro lado da vida e, com ela, o choro do recém nascido cessou. O corpo dela ganhou forma e volume quase instantaneamente. Apoderou-se dela a verdadeira maternidade: “os seios se volumavam, os olhos se maternizavam”. “Nunca se viu, dizem, mãe em tanta compostura.”
É impossível falar do texto, sem recorrer às próprias palavras do autor, pois não há no nosso vocabulário palavras que substituam as que ele inventa. Maternizar... significa tornar materno. E foi o que aconteceu à Tazarina, ou melhor aos seus olhos, tornaram-se olhos de mãe.
1 comentário:
Já me tenho interrogado, ao ler os livros dele, como é que ninguém se lembrara das palavras que ele inventa e que tanta falta fazem na nossa língua :)
Beijinho doce (de fugida, nesta semana "tramada").
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