25 de outubro de 2005

Ler ou não ler...eis a questão

Os Franceses levaram a cabo sobre os hábitos e preferências de leitura.
Com a colaboração da Fnac e do jornal “Le Monde”, seis mil cidadãos franceses responderam a um inquérito, ou melhor escolheram entre duzentos livros seleccionados, aquele que julgariam dignos de figurar entre os cinquenta livros do século. Isto durante o Verão de 1999.
A pré-selecção de livros foi de livreiros e críticos e diga-se em abono da verdade, estavam representadas figuras da Literatura Francesa do século vinte, mas também não foram esquecidos os mais emblemáticos escritores estrangeiros, nomeadamente Fernando Pessoa.
Para mim tenho que Fernando pessoa não será entre nós o mais lido. A poesia pressupõe já um critério selectivo e o nosso poeta maior do século vinte não é certamente de fácil leitura. Será que Saramago, Lobo Antunes ou Torga faziam parte desta lista? O próprio Paulo Coelho, que em França tem um invejável mercado de leitores? Eu própria soube da sua existência, através dos Franceses que num escaparate de supermercado, davam grande relevo à sua última obra (nessa altura O Alquimista). E Jorge amado, tão grande entre os seus pares?
A partir dessa escolha, a partir desses resultados, Frédéric Beigbeber, romancista e crítico, leu e comentou as cinquenta obras, dando origem a um trabalho que se chamou “Dernier Inventaire Avant Liquidation”. Trata-se de cinquenta obras-primas e o sue propósito é deitar por terra o conceito generalizado de obra-prima: “um livro de que toda a gente fala mas ninguém lê”.Estas obras não são para venerar, mas sim para ler, contestar, triturar... A convicção com que o diz é simplesmente contagiosa. E, conforme afirma de modo bem explícito, o seu propósito é levar os seus leitores a lerme essas obras e outras, eventualmente melhores...Aqui podemos finalmente propor os nossos, se é que alguém o não fez já.
Em tom talvez tocado ao de leve por uma certa amargura, pergunta o que procuramos nós nos livros. Pergunta que ficará sem resposta. Nos livros encontramos tudo o que temos na vida, na mais comum existência. Ou não? Individualmente daremos as nossas respostas, na intimidade do nosso pensamento, porque de pensamento se trata, quando se trata de ler.
E, finalmente a lista. Para mim, que não sou francesa, a primeira surpresa, desilusão quase: Le Petit Prince não está no topo da lista. Nem em segundo, nem em terceiro lugar. Somente em quarto, depois de O Estrangeiro, de Camus, Em Busca Do Tempo Perdido, de Proust, e de O Processo, de Kafka. John Steinbeck e As Vinhas da Ira, bem como Ernest Hemimgway e Por Quem Os Sinos Dobram aparecem entre os dez primeiros.
E essa surpresa, essa desilusão leva-me a deixar aqui registada a opinião deste crítico sobre Le Petit Prince: “O único conto de fadas do século vinte”. E, como todos nós deixa-se embalar pela lembrança dessa leitura inesquecível, dessa personagem não menos inesquecível que desperta sempre a mesma ternura. Não resisto a citar: “Este conto podia intitular-se Em Busca Da Infância Perdida.” Considera-a uma obra de contestação contra a idade adulta e contra as pessoas muito racionais. ET e Alice poderão considerar-se os setes mais próximos do menino que um dia largou o planeta B612, para dizer qualquer coisa de muito importante aos homens. Não só uma mensagem de ternura, também de responsabilidade. Somos todos responsáveis por todos os que chamamos ou aceitamos ao pé de nós.
É inevitável referir o primeiro da lista. O Estrangeiro de Camus.
Ao elegerem esta obra , os franceses pronunciaram-se contra a xenofobia e isso é muito relevante na opinião do crítico. Este pequeno romance de cento e vinte e três páginas conta a história de Mersault, um homem estranho, indiferente a tudo. Condenado à morte por homicídio, nem isso parece perturbá-lo. Nem a morte da mãe, acontecimento que abre a narrativa, parece importante, a ponto de ser apontada com precisão no calendário: “ A mamã morreu hoje. Ou talvez ontem, não sei.” É provavelmente a vitória do anti-herói. Hoje que vivemos rodeados de heróis, talvez nos interesse mais conhecer um anti-herói. Tudo parece absurdo, menos o estilo de Camus: frases curtas.
Recorda ainda a própria figura de Camus, o mais novo Nobel da Literatura depois de Kypling, ele próprio a personificação do absurdo. Sósia de Humphrey Bogart até a sua morte foi absurda. Apesar de sofrer de tuberculose, mal da época, “Camus foi assassinado aos 47 anos por um plátano na berma da Nacional 6, entre Villeblevin e Villeneuve-la-Guymard, com a cumplicidade de Michel Galiimard e de um descapotável Facel Vega.” Os amantes dos automóveis talvez reconheçam o modelo, eu não. Mas haveria maneira mais elegante de descrever um acidente e as suas causas? Eu penso que não. E penso também que isso pode ser uma singela homenagem ao autor, que apesar da cor morena da pele e do modo absurdo como viveu e escreveu, venceu as preferências dos Franceses.
Pensemos qual seria o autor que nós, Portugueses, gostaríamos de ver ganhar este primeiro lugar. Cada um terá a sua resposta. Deixemo-la na intimidade do nosso pensamento... Eu também tenho a minha resposta....

1 comentário:

maresia disse...

confesso que não li. Mas queria deixar um comentário à frase de apresentação deste espaço.

O velho índio tinha dois cães, um cão bondoso e o malvado. Só um sobreviverá, qual?

Deixo a resposta em aberto. Tenho a minha, claro!