25 de novembro de 2005

EPC Aulas de substituição e mais

Eduardo Prado Coelho
o fio do horizonte
Fui ver o Prós e Contras com a maior curiosidade. Queria perceber que terá levado professores à greve, que me dizem que foi muito participada (não estava cá para ver de mais perto). Mas nas actuais circunstâncias difíceis do país, um sector tão importante como é a educação só poderia, pensava eu, fazer greve com ponderosas razões. Devo dizer desde já que fiquei convencido que todos estavam de acordo no essencial e que aquilo que os dividia eram questões formais, de lana-caprina, que não justificavam a irresponsabilidade demonstrada. Cheguei à conclusão de que o que teria movido os sindicatos seria uma vez mais uma lamentável ausência de solidariedade para com um governo que tomou medidas corajosas que até agora mais ninguém havia tomado (e isso deve-se à coragem e determinação de José Sócrates), e que deu uma linha orçamental para o país, e aquela tendência dos sindicatos para se tornarem forças de conservação e mesmo reaccionarismo face às mudanças do mundo que manifestamente não entendem (e que conduz a uma dessindicalização vertiginosa em toda a Europa). É triste, quando se trata de profissionais que têm por função compreender o mundo.
Diga-se desde já que a ministra foi excelente. Sem nenhuma arrogância, revelando o espírito de diálogo e abertura que muitos lhe contestam, Maria de Lurdes Rodrigues mostrou entusiasmo na sua missão e foi mesmo ao ponto de reconhecer que esse entusiasmo poderia ter efeitos negativos no modo como por vezes queria resolver as coisas. Parabéns também para David Justino, que, com um sentido de justiça que se sobrepôs a razões políticas (essas que levaram à desgraça parlamentar de Marques Mendes), soube dizer como estava de acordo com quase todas as medidas da actual ministra.
Para além dos aspectos que dizem respeito à função pública em geral (e que todos aceitam para os outros, mas ninguém quer aceitar para si), julgava que a grande questão era a das aulas de substituição. Ouvi sobre isso dizerem-se coisas extraordinárias: que os professores não tinham que ficar a tomar conta de meninos, e que um professor de Geografia não poderia substituir uma aula de Educação Física. Estávamos na demagogia mais despudorada. Substituir uma aula em que um professor falta não é necessariamente dar a matéria que ele estava a dar. Mas qualquer professor que não seja um debilóide sabe estabelecer uma relação com turmas de alunos que não conhece e conversar descontraidamente sobre aspectos genéricos das disciplinas e as suas correlações (nada é estanque), sobre os modos de tirar notas na aula, sobre a procura de um livro ou de um artigo na biblioteca, sobre o uso produtivo da Internet e outras questões metodológicas. O único problema que vejo na permanência dos professores nas escolas está na necessidade de encontrar espaços onde eles possam trabalhar sossegadamente, ler os livros que lhes interessam ou preparar aulas. Esta é a questão que me parece que cada escola, na sua autonomia, tem de resolver.
Quanto à greve, foi certamente um equívoco de que alguns se aproveitaram politicamente. Professor universitário

Depressões
Eduardo Prado Coelho o fio do horizonte



Há qualquer coisa que não pode deixar de me impressionar: à minha volta vejo cada vez mais pessoas em estado de acentuada depressão. Talvez eu antes fosse mais desatento e elas já existissem também. Mas a verdade é que a atmosfera é agora um pouco desesperante: como se a sociedade adoecesse à nossa vista.
Muitas têm um psicanalista e arrastam análises intermináveis. Mas a maior parte recorre a psicoterapeutas. As razões são as mais diversas: há o Dom Juan compulsivo, que não consegue fixar-se afectivamente e se sente numa espécie de exílio permanente; há aquele que chega a uma certa idade, a idade dos balanços, e acha que falhou tudo na vida; há o outro que considera que ninguém o reconhece na sua qualidade profissional ou na sua vontade de amar louca e perdidamente; há aquele que de repente se sente terrivelmente só porque os pais morreram, e a casa dos pais, onde se refugiava, deixou de existir; há aquele que sente o terrível aproximar da morte e ele não queria morrer; há o hipocondríaco que acumula doenças sobre doenças, lê livros de medicina e tem um medo terrível da dor; há inúmeros professores que perderam o gosto de ensinar e já não suportam a violência das escolas; há os militantes políticos que deixaram de acreditar em qualquer militância e ficaram à deriva; há aqueles que acham que a vida política se tornou num espaço de interesses concorrenciais e perdeu qualquer sentido de utopia e ideal; há os que odeiam o país, a nossa mediocridade, a nossa desordem, a nossa oscilação temperamental, o nosso estilo de patos-bravos endinheirados e gostariam de ir viver para outros lugares, ou em Nova Iorque, ou no Maputo.
Muitos deles têm um traço em comum: pertencem à classe média, mas de súbito perderam o estatuto económico que usufruíam e sentem-se em plena fossa, incapazes de fazer face ao modo de vida a que estavam habituados. Por tudo isto culpam o país, que faz diagnósticos sobre diagnósticos, mas tem dificuldade em encetar uma verdadeira recuperação, culpam o Governo, culpam José Sócrates e vão começar a culpar Cavaco Silva, que nem sempre parece ter uma visão optimista do nosso futuro próximo. Embora quisessem que o país mudasse, gostariam que mudasse para voltar a ser o que era antes (e nós tendemos a idealizar o passado) e não para vir a ser o que virá a ser depois. Nesse plano, os sindicatos são exemplares. Embora haja quem reconheça que precisam de se adaptar aos novos desafios, qualquer mudança surge sempre como uma violência e um atentado aos direitos dos trabalhadores.
Temos agora algo que poderia melhorar a auto-estima dos portugueses: o Campeonato do Mundo de futebol. Falamos como se a vitória final nos estivesse reservada, coisa que não é evidente, longe disso, aos olhos dos observadores estrangeiros. E sobrecarregamos de tanta responsabilidade a nossa selecção que esta só pode sentir ansiedade pelo peso que nela recai.
Mas, se vencermos, será o Verão do nosso contentamento. Nesse caso, talvez Sócrates (que tem a enorme vantagem de não fazer política com estados de alma) pudesse fazer uma remodelaçãozita... Professor universitário

A arte de perder
Eduardo Prado Coelho o fio do horizonte



Tantas coisas que perdemos ao longo de uma vida!
Perdemos as casas onde vivemos, que habitámos por dentro, naquilo que uma casa tem de mais dentro de si mesma. Perdi a casa de infância dos meus pais na adolescência - no mesmo ritmo que os perdi. Perdi a casa da Avenida do Uruguai, a casa da Rua de Entrecampos, a casa do Lumiar, que os meus pais me ofereceram, a casa do Marais, em Paris, onde vivi dez anos, a casa da Parede. Cada casa corresponde a um ritmo de vida, uma forma de cadência do quotidiano. Mas perdi-as e encontrei outros lugares.
Perdi lugares. Cafés - tantos - onde estudava: perdi a Granfina e o Nova Iorque, perdi o Vavá de que tanto gostava, povoado de amigos e cúmplices, perdi o Monte Carlo e raramente volto ao Toni dos Bifes, onde o Carlos de Oliveira ou o Abelaira se encontravam. Perdi um pouco o hábito regular de ir à Versalhes.
Perdi a Faculdade de Letras e o seu bar fumarento e ruidoso, invadido por vagas de alunos de Direito. Perdi o Estádio Universitário, o dos plenários do movimento de estudantes, onde falavam o Jorge Sampaio ou o Eurico de Figueiredo. Perdi o bar do Estádio Universitário, para onde ia estudar, mal chegava a Primavera. Perdi a casa de gelados Monte Branco, ali ao Saldanha, para onde ia ler e escrever nas noites de Verão. Perdi a praia de São Martinho do Porto, a praia dos primeiros namoros. Não a reconheço, porque fui reencontrá-la massacrada por uma urbanização selvagem e incomodativa. Encontrei a foz do Arelho.
Perdi Paris, o Centro Pompidou, os cinemas do boulevard Saint-Germain, os cafés La Hune e Les Deux Magots, as livrarias Le Divan, que já não existe, e La Hune. Perdi o Teatro de la Ville, onde vi espectáculos magníficos, descobri muito da dança contemporânea, e encontrei pela primeira vez a Pina Bausch. Perdi o Châtelet (o Castelinho, como gostava de dizer o Pierre), onde tive a revelação de William Forsythe e de Bob Wilson. Perdi La Gamin de Paris, no Marais, assim como a livraria (asfixiada economicamente com a guerra do Golfo) ou a pequena loja de discos de música clássica. Perdi o quiosque de Saint-Paul, onde ia todas as manhãs com o meu cão Spinoza, e este aguardava sempre com impaciência que a dona do quiosque lhe desse o brioche que estava tacitamente prometido.
Perdi amigos, muitos. O Zé Ribeiro da Fonte, a Margarida Vieira Mendes, o Al Berto aparecem por vezes nos meus sonos. Perdi mulheres, muitas, algumas no Brasil, outras em Portugal. Perdi livros, que ficaram noutras casas, que desapareceram sem que eu saiba porquê, que emprestei e não recuperei. Perdi também alguma memória de tudo o que perdi.
Mas há um poema de Elizabeth Bishop que se chama precisamente "Uma arte" e é sobre essa difícil arte de perder. Diz assim: "A arte de perder não é nenhum mistério; / tantas coisas contém em si o acidente / de perdê-las, que perder não é nada sério. (...) Perdi duas cidades lindas. E um império / que era meu, dois rios e mais um continente. / Tenho saudades deles. Mas não é nada sério. // Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo / que eu amo) não muda nada. Pois é evidente / que a arte de perder não chega a ser mistério / por muito que pareça (Escreve!) muito sério." Professor universitário

3 comentários:

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