8 de janeiro de 2006

Calendário, o livro de contas do tempo

Do Primeiro de Janeiro
Calendário, quadro ou catálogo que indica a divisão do ano em estações, meses, semanas e dias, atribuindo muitas vezes a ordem das festas religiosas, assinalando certos fenómenos astronómicos como lunações, marés, eclipses, etc.


João-Maria Nabais*


Desde tempos imemoriais que o Homem tentou perceber a razão da sequência dos dias e das noites, e por certo ficaria fascinado, por longos períodos, a olhar os céus numa tentativa de perscrutar a imensa escuridão estelar, para assim justificar muitos dos enigmas com que se confrontava, no seu dia-a-dia, na Terra.

Calendário, sua origem
e cronologia histórica
A necessidade de dividir e medir o tempo foi sentida com os primeiros passos da civilização. É a sucessão ordenada dos dias e noites, aliada ao fenómeno do ciclo das fases da Lua que conduziram às noções de dia e mês. O conceito de ano, só aparece com o desenvolvimento da agricultura nos povos antigos ao darem conta do ritmo das estações. São o dia, o mês lunar (ou lunação) e o ano, os períodos astronómicos naturais utilizados em qualquer calendário. A sincronização destes três componentes acentua a complexidade do calendário.

Grande parte do conhecimento actual sobre os calendários baseia-se em estudos de referência de dois escritores da Antiguidade: Ovídio, poeta romano, 43 a.C.-17/18 d.C.; e Plutarco, escritor grego, 50 d.C.-120 d.C.

O principal motivo da criação de um calendário é o desejo de organizar no tempo, os eventos de uma sociedade. Sempre teve um estatuto sagrado, além de servir de identidade cultural.

Calendário vem do latim calendarìu (livro de contas, registo) e não de calendas (primeiro dia de cada mês entre os romanos).

O dia solar verdadeiro, intervalo de tempo entre duas passagens consecutivas do Sol pelo meridiano dum lugar, varia entre 23h 59’ 39” e 24h 00’ 30”. Estas variações obrigam a utilizar um dia civil com a duração de 24 horas. Este dia, definido em função do dia solar médio, começa à meia-noite e termina à meia-noite seguinte.

A lunação, intervalo de tempo entre duas conjunções consecutivas da Lua com o Sol, também não é um valor constante, mas varia entre 29 dias e 6 horas e 29 dias e 20 horas. O seu valor médio, conhecido com grande precisão, é de 29d 12h 44’ 02,8”. A revolução sinódica da Lua (período que decorre entre dois estados sucessivos de conjunção da Lua) está na origem dos calendários lunares, em que os meses têm alternadamente 29 dias e 30 dias. O seu valor médio, aproximado, é 29,5 dias.

O ano sideral, duração da revolução da Terra em torno do Sol, é igual a 365d 06h 09’ 09,8”.

O ano trópico, tempo decorrido entre duas passagens consecutivas do Sol médio pelo ponto vernal (ponto da esfera celeste por onde passa o centro do Sol, no seu movimento anual aparente, quando transita do hemisfério sul para o hemisfério norte), é actualmente de 365d 05h 48’ 45,3”. É o ano trópico que regula o regresso das estações e que intervém nos calendários solares.

Um outro período de tempo usual nos calendários é a semana de sete dias, cujo motivo se desconhece. É possível que estivesse relacionada com o mês lunar, visto que sete dias são aproximadamente um quarto de lunação, o intervalo aproximado entre a Lua cheia e o quarto minguante, ou talvez com o número dos sete astros principais do firmamento (os cinco planetas conhecidos na Antiguidade mais o Sol e a Lua). Mas é provável que a escolha de um intervalo de sete dias se deva ao carácter sagrado do número sete entre os antigos judeus. O período semanal de sete dias encontra-se hoje relacionado a um ciclo normal das actividades de trabalho e lazer, em quase todos os calendários.


Os primeiros Calendários
Os primevos calendários são o hebreu e o egípcio. Ambos tinham um ano civil de 360 dias: curto para representar o ciclo das estações, mas grande para corresponder ao chamado ano lunar, que se define como um período de tempo igual a 12 lunações completas existentes no ano trópico, ainda desconhecido.

Ignora-se como os hebreus dividiam o ano, mas julga-se que já utilizavam a semana, visto que seguiam o mesmo princípio para contar os anos, agrupando-os em septanas ou semanas de sete anos. Pelo contrário, os egípcios dividiam o ano em 12 meses de 30 dias e cada mês em três décadas. Os egípcios também dividiam o ano em três estações, de acordo com as suas actividades agrícolas sujeitas às cheias periódicas do Nilo: a estação das inundações; a estação das sementeiras e a estação das colheitas.

Os gregos estabeleceram um ano lunar de 354 dias, que dividiram em 12 meses de 30 e 29 dias, alternadamente. Os meses, como no calendário egípcio, eram dedicados aos deuses e neles se celebravam festas, não só em honra do deus correspondente, mas também outras dedicadas aos astros, às estações, etc.

No primitivo calendário romano, o ano tinha 304 dias repartidos por 10 meses. Os quatro primeiros tinham nomes dedicados aos deuses da mitologia romana e provinham de tempos mais remotos: Martius (dedicado a Marte), Aprilis (a Apolo), Maius (a Júpiter), Junius (a Juno); os seis restantes eram designados por números ordinais, indicativos da ordem que ocupavam no calendário.

Representa um calendário sem qualquer base astronómica, pois os períodos nele definidos não têm qualquer relação com os movimentos do Sol ou da Lua. Por isso, no tempo de Rómulo foram introduzidas algumas inserções de forma a harmonizar este calendário com os citados períodos astronómicos.

O calendário de Rómulo foi reformulado por Numa Pompílio, o qual, seguindo o exemplo dos gregos, estabeleceu o ano de 12 meses, mas introduzindo em primeiro lugar o mês de Januarius, dedicado a Jano, e em último lugar o mês de Februarius, dedicado a Februa, ao qual os romanos ofereciam sacrifícios para expiar as suas faltas de todo o ano. Este foi o motivo por que o mês de Februarius foi colocado no fim. Mas Numa modificou também a duração dos meses, deixando o calendário do seguinte modo:

1.º Januarius 29 dias

2.º Martius 31 dias

3.º Aprilis 29 dias

4.º Maius 31 dias

5.º Junius 29 dias

6.º Quintilis 31 dias

7.º Sextilis 29 dias

8.º September 29 dias

9.º October 31 dias

10.º November 29 dias

11.º December 29 dias

12.º Februarius 27 dias

TOTAL 354 dias


O ano tinha 354 dias (ano lunar dos gregos). Mas esta curiosa distribuição dos dias pelos meses era devida à superstição dos romanos que tomavam por funestos os números pares. Pela mesma razão, consideraram nefasto o ano com 354 dias e aumentaram-no para 355 dias, atribuindo o dia excedente a Februarius, que passou a ter 28 dias.


Calendário juliano
Devido à ignorância e preconceito dos sacerdotes que tinham a seu cargo o propósito de medir o tempo acentuou-se gradualmente a confusão no calendário romano.
Foi esta desordem que Júlio César encontrou ao chegar ao poder. Logo se prepara para introduzir a sua reforma ao adoptar o calendário solar, conhecido por Juliano, que começou a vigorar no ano 709 de Roma (46 a.C.), mediante um sistema que devia desenrolar-se por ciclos de quatro anos, com três comuns de 365 dias e um bissexto de 366 dias, a fim de compensar as quase seis horas que havia de diferença.

Durante o consulado de Marco António, reconhecendo-se a importância da reforma introduzida no calendário romano por Júlio César, foi decidido prestar-lhe justa homenagem, perpetuando o seu nome no calendário, de maneira que o sétimo mês, Quintilis, passou a chamar-se Julius - Julho.

Também no ano 730 de Roma (23 a.C.), o Senado romano decretou que o oitavo mês, Sextilis, passasse a chamar-se Augustus – Agosto. Foi durante este mês que começou o reinado, do primeiro imperador romano, César Augusto, sucessor de Júlio César, após ter posto fim à guerra civil que assolava a nação. E para que o mês dedicado a César Augusto não tivesse menos dias do que o dedicado a Júlio César, o mês de Augustus passou a ter 31 dias. Este dia saiu do mês de Februarius, que ficou com 28 dias nos anos comuns e 29 nos bissextos. Também para que não houvesse tantos meses seguidos com 31 dias, reduziram-se para 30 dias os meses de September e November, passando a ter 31 dias, os de October e December. Assim se chegou à distribuição sem lógica alguma dos dias pelos meses, que ainda hoje vigora.

Calendário gregoriano

A reforma gregoriana prepara um ajuste ao calendário Juliano para conseguir determinar correctamente a data da Páscoa, a mais importante festa cristã. Ao fazer regressar o equinócio da primavera a 21 de Março desfaz o erro de 10 dias já existente. Esta divergência causava prejuízos na celebração da Ressurreição e de outras festas móveis religiosas. Foi necessária a autoridade de um Papa. de cultura e perseverança como Gregório XIII (1572–1585), com a ajuda do astrónomo Christoph Clavius, célebre padre jesuíta que estudara matemática em Coimbra com Pedro Nunes, para conseguir impor a reforma. Em 24 de Fevereiro de 1582 promulga a bula Inter Gravíssimas, que estabelece os pontos essenciais do novo calendário.

A duração do ano gregoriano é em média de 365d 05h 49’ 12”, isto é, tem actualmente mais 27s do que o ano trópico. A acumulação desta diferença ao longo do tempo representará um dia em cada 3000 anos.
Portugal, Espanha e Itália foram os primeiros países que aceitaram de imediato a reforma do calendário.

Actualmente o calendário gregoriano pode ser considerado de uso universal. Mesmo aqueles povos que, por motivos religiosos, culturais ou outros, continuam agarrados aos seus calendários tradicionais, utilizam o calendário gregoriano nas suas relações internacionais.


Curiosidades e paradoxos
O modelo actual de calendário lunar é o calendário islâmico e do calendário solar é o calendário gregoriano.

Hoje, o calendário gregoriano serve como padrão nas relações internacionais de uso civil. Ao mesmo tempo regula o ciclo de cerimónias das Igrejas Católica e Protestante. De facto, o seu primeiro desígnio foi canónico.

Sob o ponto de vista astronómico, o seu principal defeito é ser ligeiramente mais longo do que o ano trópico, o que se traduz por uma diferença de um dia em cerca de 3000 anos. Porém, esta pequena diferença não tem qualquer inconveniente imediato e uma reforma do calendário destinada a corrigi-la traria sérios problemas, porque iria criar uma descontinuidade com as consequentes complicações cronológicas.

O mesmo não acontece sob o ponto de vista prático, em que, de facto, se justifica uma modificação. Com efeito, o número de dias de cada mês é muito irregular (28 a 31 dias). O mesmo acontece com a semana, adoptada quase universalmente como unidade laboral de tempo, que não se encontra integrada nos meses e muitas vezes repartida por dois meses diferentes. Estas duas anomalias têm sérios inconvenientes numa distribuição racional do trabalho e dos salários, que são maiores do que à primeira vista se pode pensar. Até a própria economia doméstica se recente, visto que um salário mensal fixo tem de ser distribuído por um número diferente de dias.

Mais grave ainda é a mobilidade da data da Páscoa, que oscila entre 22 de Março e 25 de Abril, com as consequentes perturbações da duração dos trimestres escolares e de outras numerosas actividades (judiciais, económicas, turísticas, etc.) particularmente nos países cristãos em que as festas da Semana Santa têm um grande significado.

Segundo um recente estudo (Fraser, 1987), haverá hoje cerca de quarenta calendários em uso, em todo o mundo.

A complexidade dos calendários deriva pelo facto dos vários períodos de revolução não conterem um número inteiro de dias e também, porque os ciclos astronómicos não serem constantes, nem perfeitamente mensuráveis uns com os outros.

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Nota – alguns dados astronómicos foram em parte documentados, na Origem e evolução do nosso calendário, de Manuel Nunes Marques

* Médico, poeta, ensaísta, investigador

1 comentário:

Anónimo disse...

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