2 de maio de 2006

Maria Filomena Mónica

Envelhecer Não é Pêra Doce
Destaque: Dantes, qualquer roupa me servia. Agora, só encontro trajos desenhados para anoréxicas. Uma vez que é na cintura que a idade mais partidas nos prega, comprar um par de calças é uma tarefa morosa. Embora ainda me possa gabar dos joelhos, sei que, no máximo, terei um ano durante o qual posso usar mini-saias.

No último dia 30 de Janeiro, fiz sessenta e três anos. De manhã, olhei-me com uma atenção especial: registei as rugas ao canto dos olhos, a carne flácida do pescoço, os ainda poucos cabelos brancos. Dado que aquilo que o espelho me devolvia eram coisas que normalmente acontecem a quem atinge a minha idade, não me revoltei. Nunca tendo tratado do meu corpo, podia ser pior. Mas a beatitude não durou. À medida que o dia avançava, o humor piorou.
Em Dezembro de 1991, tinha eu quarenta e oito anos, dei uma entrevista à revista «Marie Claire», que organizara um número sob o título «O Charme das Mulheres de 50 Anos». Lendo-a, quinze anos depois, o que me surpreende é o meu optimismo. É verdade que já então descobrira não ser imortal, o primeiro sinal de envelhecimento, ou, se preferirem, de sabedoria, mas declarava, com ar pimpão, que ter cinquenta anos era a melhor coisa do mundo. O único facto que lamentava era não poder registar, numa agenda, a data e a hora da minha morte. Tudo o resto eram rosas.
A minha actual posição é mais complexa. Se há coisas boas no envelhecimento, as más ultrapassam-nas de longe. Não querendo ser fúnebre, começo pelas primeiras. À cabeça, vem a evidência de dispor hoje de mais dinheiro do que em jovem, um benefício apenas atenuado pelo facto de o prazer de fazer compras ter desaparecido. Em seguida, tenho atrás de mim uma carreira, o que me dá conforto moral e, uma vez que deixei de prestar atenção ao que os outros pensam de mim, atrevo-me a deixar as minhas excentricidades virem ao de cima.
Seja como for, o prato negativo da balança é mais pesado. Começo pela saúde. Depois dos sessenta anos, raro é o dia em que não temos uma maleita. E não estou a falar de doenças graves, mas de pequenas aflições, uma subida da tensão arterial, uma dor de cabeça, uma lombalgia. Ligado ao menor vigor físico, está a facilidade com que nos cansamos. Dantes, conseguia trabalhar na Biblioteca Nacional das dez da manhã até às sete da tarde; hoje, em dias com sorte, apenas consigo trabalhar seis. Reconheço que é um tempo intensivo, sem interrupções para conversas nem intervalos para café, mas um deus maléfico retirou três horas ao meu dia de trabalho. Infelizmente, há mais. Dantes, qualquer roupa me servia. Agora, só encontro trajos desenhados para anoréxicas. Uma vez que é na cintura que a idade mais partidas nos prega, comprar um par de calças é, como verifiquei ontem, uma tarefa morosa. Embora ainda me possa gabar dos joelhos, sei que, no máximo, terei um ano durante o qual posso usar mini-saias.
Outro aspecto no qual a idade tem efeitos devastadores diz respeito às novas tecnologias. Levei anos a aprender a mudar um fusível, a lidar com uma panela de pressão e a programar um micro-ondas. Ainda consegui - momento de glória - passar da máquina de escrever para o computador, mas a minha evolução parou aqui. Por saber que o tempo gasto a ler instruções não compensaria a utilidade ou o prazer que deles retiraria, já não dei o salto para o telemóvel, muito menos para o Ipod. Fiz um balanço custo-benefício, tendo concluído que o custo de aprender seria maior do que o benefício, uma vez que este nunca poderia exceder mais do que uns anos.
Há ainda, e é decisivo, os amigos que nos deixam. Reconheço que sou lamechas, mas, quando, há um ano, o João Paulo morreu, um pouco de mim desapareceu com ele. Tenho, por fim, de mencionar os medos: o medo de que a reforma não chegue, o medo de perder a razão, o medo de morrer numa cama de um hospital. Tendo em conta o que Henry James chamou «a imaginação para o desastre», poderia encher as páginas desta revista com uma lista infindável. Não o vou fazer, embora pense que é o momento, ou quase o momento, para recordar o refrão dos Beatles, «Will you still need me/ Will you still feed me?», da canção intitulada «When I´m Sixty Four». O pânico é este: o de ficarmos sozinhos ou, pior, de passar a ser dependente de outros. Ora, para isto, não há remédio. Envelhecer é também saber isto.

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