23 de setembro de 2010

Ainda ontem - O Mal Escrito - MEC

O cancro é como um romance que, depois de escrito e revisto, ainda não fica bem. Ganha uma segunda vida em que o personagem principal (a vítima, o herói) tem de redefinir-se e curar-se dos resultados das curas - ou rever-se do efeito das revisões.

O cancro não é como um romance, porque a história continua. É mais como uma série televisiva. No primeiro episódio de Boardwalk Empire, realizado por Scorsese (é pena ter-se perdido o hábito de dizer apenas os apelidos dos realizadores), compreendemos que Nucky Thompson, interpretado por Steve Buscemi, não vai conseguir continuar a ser apenas meio-gangster.

As circunstâncias mudam; as surpresas fazem parte da ordem das coisas e, às tantas, deixa-se de poder pensar ou agir de maneira linear, como quem tem ou não tem: como quem já passou ou ainda vai passar por uma fase; como quem sabe ou consegue adivinhar o que vai acontecer.

O cancro é uma vontade de continuação; uma multiplicação de ambições desavergonhadas. Não se pode matá-lo. Mas pode-se contrariá-lo e essas acções contrárias criam contrariedades à medida de quem ousou levantar-se contra ele.

Não estou só a falar da pneumonia da Maria João que ontem a levou da nossa casa, para fazer-lhe frente e dar cabo dela. Nem das sequelas. Nem das consequências esperadas ou inesperadas. É das surpresas. São sempre boas ou más. Muitas vezes acabam bem. Mas nunca são boas. Por serem surpresas. Por serem sorte. Por não nos pertencerem.

1 comentário:

Thita disse...

Gosto imenso de Miguel Esteves Cardoso. Agora já tenho idade para o ler.

Aproveito o tempo que me resta antes de me deitar para rever alguns posts.

Depois volto. Ah, não que não volto.