29 de setembro de 2004

EDUARDO PRADO COELHO As Mãos e Os Frutos

Quarta-feira, 29 de Setembro de 2004
Vi com atenção Maria do Carmo Seabra na televisão. Que se passará na cabeça desta mulher? - pergunto-me. A situação é suficientemente constrangedora para suscitar a simpatia de qualquer cidadão comum. Contudo, Maria do Carmo Seabra não ajuda, dado que a sua presença está longe de ser simpática. Ela conseguiu pegar num processo em que de facto não tem culpas directas e somar tantas ingenuidades e declarações infelizes que acaba por parecer a principal culpada.
Deve haver algum mistério em tudo isto, mas a verdade é que ainda não percebi por que motivo o processo se deve desenrolar assim. Entendo que haja professores que queiram mudar, que uns se reformem e outros vão viver para a Patagónia, mas não entendo que seja mesmo necessário que um aluno mude de professores todos os anos. Considero, pela simples intuição, que aquilo que é essencial em educação (não apenas a transmissão de um saber precário, mas a criação de uma relação transferencial através do saber transmitido) fica claramente posto em causa. Também não vejo vantagens na mudança constante de um professor para novos ambientes. E dou um exemplo.
Quando comecei a exercer as minhas funções de conselheiro cultural em Paris, muita gente, sobretudo diplomatas de carreira, vinha dizer com a mesma volúpia sádica com que em tempos me perguntavam se já tinha ido à tropa: "Já sabes, são três aninhos." No primeiro ano, realizei a minha instalação e esforcei-me por perceber os problemas. Como sempre, entre a realidade efectiva e as minhas ideias preconcebidas havia uma imensa desproporção. No segundo ano, estabeleci os contactos, organizei projectos, encontrei métodos de actuação. Só no terceiro ano comecei a trabalhar efectivamente. Seria nessa altura, quando começava a perceber alguma coisa do que estava a fazer, que devia vir-me embora?
Com os professores, deve acontecer algo semelhante. Mas a ministra tinha um concurso em andamento e acreditou piamente no que lhe foram dizendo. Talvez todos tenham acreditado, excepto os computadores. A ministra tem uma presença política desastrosa. Mistura um ar de tédio e sobranceria com uma atitude que parece dizer que espera ardentemente que lhe retirem aquele frete. Admito que não durma, que tenha pesadelos, que perceba o ridículo de uma lista que ela dizia estar certa de ser boa durar apenas um fogacho nocturno de 40 minutos, mas tem sempre um ar de que tudo aquilo não tem nada a ver com ela. Podemos estar certos de que à primeira oportunidade salta do barco. Tendo começado tão mal, jamais se poderá afeiçoar à tarefa.
Agora vão resolver tudo manualmente. Vinte e duas equipas ocupam-se do que se passa no país, embora mesmo um leigo entenda que o problema está sempre na coordenação das consequências a nível nacional. Suponho que no Ministério da Educação andam todos cheios de olheiras, com um creme anti-stress, desde a ministra até aos motoristas. "Que está a fazer o senhor Afonso, que deixou o carro na garagem e nunca mais lá foi?" "Anda a colocar professores." Não sei quais serão os frutos de tantas mãos. Nesse dia. a ministra e a drª. Orvalho estarão num hotel SPA a recuperar deste inferno.

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