2 de outubro de 2004

Cravos de Abril todo o ano

A Cartilha
Um cheiro a cravos
Clara Ferreira Alves


Manuel Alegre prepara-se para dar ao PS da rosa cor-de-rosa e de Guterres, encabeçado pelo engenheiro José Sócrates, um cheirinho a cravos vermelhos. Contra os avisos dos amigos da cabeça e do coração que acham que ele não tem cabeça e coração para isto, Manuel Alegre prepara-se para dar alguns trabalhos aos outros candidatos e ensinar-lhes algumas lições. Lições de uma certa lisura de vida, de princípios, de decência e de convicção.
Na verdade, Manuel Alegre não precisava disto para nada neste ponto da sua vida, em que a carreira literária estava sustentada numa produção ficcional e poética que desmentia o sacrifício da literatura à política que norteou a sua vida. Alegre foi sempre um homem de palavras e de uma só palavra, nunca quis o poder nem o quis exercer, e se cometeu erros, esses erros foram pecadilhos ao lado dos vícios alheios.

O homem é inteiro e é de boa cepa, e não tem medo das palavras. Na fase da política portuguesa em que as imagens e os gabinetes de imagem se substituem à antiquíssima palavra de honra, na era dos fabricantes de marionetas, a candidatura de Manuel Alegre tem o mérito de nos fazer recordar que há outras maneiras, outros modos e, outros ideais. A palavra ideal caíu em desuso e parece-nos hoje romanticamente obsoleta. A candidatura de Alegre a secretário-geral do PS parece-nos, também, romanticamente obsoleta, e destinada a um fracasso nas urnas dos Congresso.

Mas, o candidato que ganhar, e Sócrates tem evidentemente todas as hipóteses contra João Soares, terá de medir as suas insuficiências contra as suficiências de Manuel Alegre e do grupo de pessoas que o apoia, e desta vez não será tão fácil destruir a personalidade de Alegre como foi fácil destruir a de Ferro Rodrigues. Por isso também, Manuel Alegre é um candidato difícil de anular: não deve e não teme, não mente, não desiste.

O PS renova-se por dentro, não como se esperava e nem sequer com gente nova mas, ao limpar-se por dentro depois das malfeitorias e atropelos éticos dos últimos anos, os do salve-se quem puder, renova-se ainda. Em política, o que parece às vezes é.

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