16 de novembro de 2004

A biblioteca do macua

Cirila é uma menina que vive na Idade Média. Ela perde os pais e é obrigada a ir viver com o tio, o irmão do pai. Cirila vê-se envolvida numa aventura, ' incübida pelo tio, que às portas da morte lhe pede para descobrir o tesouro da família, enterrado algures perto da casa. Numa ponta do Arco-íris.

Cirila estava cansada.
Quando ela e Vicente, um dos criados
de Dom Afonso, saíram de sua casa, o sol,
lá no alto, ainda era pequeno e amarelo.
Agora, tinha baixado, estava maior e laranja,
querendo desaparecer no horizonte.
E isso dizia-lhe que já estavam a andar
há bastante tempo.
- Dom Afonso não pôde emprestar a carroça.
Foi precisa para carregar lenha para a lareira
- dissera o criado - A égua está à espera de cria
e a mula está muito velha.
Vicente veio buscar Cirila a mando do seu senhor
quando este soube que a sua cunhada,
mãe de Cirila, tinha morrido.
Em seis meses, as suas duas irmãs, o pai
e a mãe adoeceram e morreram.
E ninguém soube explicar como e porquê.
A não ser o padre lá do sítio que disse
que tinha sido a vontade de Deus.
Naquela altura, na Idade Média,
as pessoas adoeciam e morriam com frequência
e pouco se sabia acerca das doenças.
Cirila gostava de Dom Afonso
que era uma visita assídua de sua casa,
pernoitando lá várias vezes,
quando se afastava um pouco mais
por essas florestas para caçar lebres,
faisões e perdizes, deixando sempre para o irmão
metade da caça.
Algumas vezes, durante a caminhada,
Vicente achou que para chegarem mais depressa
ao destino, podiam fugir ao caminho
de terra batida cheio de altos e baixos
e, assim, atravessar alguns campos de trigo
onde algumas papoilas vermelhinhas
apareciam aqui e acolá, esquecendo-se que,
segundo o provérbio popular,
quem se mete por atalhos, mete-se em trabalhos.
Cirila tinha fome. O bocadinho de pão
que a sua vizinha dera para a viagem
acabara num instante.
Ela sabia que Vicente tinha qualquer coisa
dentro da sacola - um homem não se mete à estrada
assim sem mais nem menos,
de trouxa vazia - mas não se atrevia a pedir.
Era a primeira vez que Cirila se afastava tanto
do lugar onde tinha nascido.
Não fazia ideia que o mundo era tão grande.
Percorrido a pé então parecia nunca mais acabar.
Quando a casa de Dom Afonso apareceu ao longe,
o sovina do Vicente principiou a dizer que o melhor
seria alargarem o passo pois nessa noite
começava a lua cheia e podiam dar de caras
com algum lobisomem ou coisa parecida.
Cirila arrastava o passo.
A sua trouxa de serapilheira, contendo
a sua pouca roupa pesava-lhe toneladas no ombro
e nem a visão da casa a aumentar de tamanho,
à medida que se aproximavam,
lhe dava ânimo para continuar a marcha.
Porém, ao ouvir o nome de tal criatura - o lobisomem-
nurn instante endireitou as costas,
deu novo alento às pernas, e num instante
ultrapassou aquele unha de fome
que se recusava a partilhar
um bocado de côdea com ela,
e que além de sovina também era medricas.
Ele sim! É que parecia um lobisomem
com aquele cabelo desgrenhado,
os dentes esverdeados e aquele hálito fedorento
que lembrava peixe podre,
deixando-a quase moribunda
sempre que se virava na sua direcção
para lhe proferir alguma sentença.
Ela não sabia como era um lobisomem.
Durante os seus catorze anos
nunca tinha visto nenhum, felizmente!
Mas pelas histórias que já tinha ouvido contar,
vezes sem conta, imaginava de sobra
e sem ponta de dúvida, como seria a figura
desse homem transformado em lobo que,
errando pelos campos, atacava pessoas e animais.

ANABELA MÁXIMO DE SOUSA E SOUSA PASSOS (natural de Moçambique) é professora do 1.° ciclo em Lisboa.

Interessada desde sempre pela literatura infantil, entre outros textos que escreveu, o livro publicado agora pelo Instituto Piaget, NUMA PONTA DO ARCO-IRIS, foi distinguido com uma menção honrosa no concurso do Prémio de Poesia e Ficção de Almada 2002.



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